Ele era uma pessoa muito regrada com seu calendário anual. Respeitava seu ciclo e sua rotina. Separava as tarefas de suas diversões quando necessário.
Começava a contar sempre no segundo dia do ano quando sua ressaca das festas deveria ser curada. Concentrava-se até o dia 4 quando, finalmente, o ritmo de Carnaval o dominava. Bebia desembestadamente, assim como boa parte das pessoas que possuem uma triste alegria dentro de si.
Depois do trabalho era sempre motivo para beber uma ou duas doses. A vida era boa até chegar a festa da carne. E durante esta grande festa que durava dias e dias, bebia feito um animal descontrolado. Bebia como uma prostituta sem clientes no balcão de um puteiro qualquer na zona oeste da cidade. Libertava-se durante aqueles dias sabendo que, depois, seu calendário novamente pediria uma pausa até a próxima época. E a próxima era seu aniversário.
Comemorava seu aniversário em maio; não porque realmente era, mas havia inventado uma data em que queria fazer aniversário para ter um motivo para beber durante dias no espaço de fevereiro (ou março) até junho, quando realmente comemorava seu dia. Estendia as bebedeiras, pois a cada data festiva, começava a tomar seus drinques com semanas de antecedência, sempre invadido pelo ar de alegria de uma festa que viria. De maio até junho não restavam muitos dias. Então emendava suas doses com a data de seu aniversário de verdade. Depois disso emendava mais uma vez para comemorar a revolução paulista de 32, nove de julho, e aproveitava para se esquentar no ápice do inverno; então passava todos os dias do mês sete de fogo.
Em agosto comemorava o mês do desgosto, entediado e bêbado. Em setembro bebia o mês inteiro para comemorar sua pátria, o Brasil. Em outubro não comemorava absolutamente nada, então bebia para descansar das festas que já começavam a fazer seus ossos doerem.
Em novembro bebia pela consciência negra.
Em dezembro já estavam todos o acompanhando graças ao espírito das festas de fim de ano.
Aí era um estrago. Trabalhava de ressaca, tremia. Faltava e curava a ressaca com mais bebida.
No dia primeiro de janeiro resolvia que era hora de dar uma pausa com a bebida. Hora de se recuperar para cumprir seu calendário por mais um ano.
Ele era uma pessoa muito regrada com seu calendário anual. Respeitava seu ciclo e sua rotina.
Tinha que estar renovado para, no dia 4 de janeiro, começar a comemorar a espera do carnaval.
Morreu com 31 anos.
– Eu avisei que essa bebedeira iria o matar.
– Mas ele não morreu por causa da bebedeira.
– Então qual o motivo?
– Atropelado…
– Ah, coitado.
– Saiu da adega, atravessou a rua e não viu o carro. Seu corpo voou pra mais de nove metros.
Saudade de tuas palavras!