Se nada der certo, passa pro pós!


– Você não se enjoa desse trabalho? – perguntou o ser com o capuz negro escondendo o rosto – Todos os dias a mesma coisa e é sempre a mesma porcaria de trabalho! Sempre tendo que vir aqui e pegar esses fodidos pra levar pra descansar.

O outro rapaz, do outro lado da maca onde havia um homem cadavérico, apenas respirou fundo, mexeu em seus cabelos longos e brancos feito neve pura e, depois, coçou a longa barba.

– Todos os dias eu estou cansado, e entendo o quão você também está cansado, mas alguém precisa fazer isso.

Ambos olharam para o homem deitado. Ficaram em silêncio até que o aparelho que vigiava a vida do moribundo apitou um som contínuo. O coração havia parado.

– Vou levá-lo – disse o ser de capuz preto se levantando da cadeira enquanto o homem que estava na maca começou a se levantar como quem está perdido.

– Leve-o – disse o anjo coçando agora a asa esquerda – Dá um alívio pra ele. Ninguém merece morrer de câncer.

– Não mesmo – respondeu a morte olhando para o humano perdido sentado na maca observando o próprio corpo ainda deitado e pálido.

O anjo se levantou e bateu as asas, depois coçou a virilha, o que fez a morte se incomodar.

– Porque se coça tanto?

– Pulgas, acho.

–  Pulgas são terríveis mesmo – disse a morte rindo fazendo seus dentes baterem.

–  Pois bem – disse o anjo – Quarto seis finalizado!

– Seis? – Questionou a morte com incerteza – Achava que era o nove.

– Aqui nos prontuários. Quarto seis. Câncer.

A morte revirou seus papeis.

– Quarto nove; câcer.

O anjo coçou as costas, depois a nuca e depois a barba. Olhou para a alma do morimbundo e perguntou:

– Qual era sua chaga?

– Gripe forte -respondeu o homem.

A morte riu com o barulho seco de dentes se batendo. O anjo coçou sua asa direita e depois coçou os lábios.

– Que a gente faz agora, morte?

– Deixa o cara do câncer viver e levamos o gripado, paciência! Qualquer coisa se perguntarem, diga-lhes que fomos proativos. E toda pró-atividade leva à um erro às vezes. Paciência.

O anjo pensou, pensou e pensou.

– Ótimo! Levamos então o gripado e deixamos o cara do câncer! Você que é do operacional que se resolva depois.

O anjo carimbou a autorização da morte e entregou os papéis. A morte olhou para o formulário e depois para o anjo.

– Vocês só me fodem…

A morte então levou o rapaz. Disse que foi um erro tê-lo levado por uma gripe. Foi apenas um erro do setor comercial, mas que os benefícios de estar morto eram muitos.

Ao chegarem no inferno, o rapaz questionou sobre a péssima qualidade de vida.

– Não foi o que eu esperava – disse o homem.

– Você não gostou?

– Não.

A morte então olhou para os lados e apontou um homem com um bigode curto e roupa de militar.

– Vê aquele moço uniformizado, com aquela tira vermelha na manga?

– Sim.

– Ele faz o pós atendimento. Infelizmente eu sou do operacional. Resolva agora suas dúvidas com ele. Até mais ver!

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