Para-Brisas.


Quando viajávamos, eu gostava da forma como ela colocava o banco do passageiro para trás e reclinava-o; depois disso ela descalçava seus pés e esticava até encostá-los no para-brisas do carro enquanto eu dirigia.

Sentia-me feliz vendo-a relaxar e o vento que entrava fazia seus cabelos esvoaçarem dentro do automóvel a cento e vinte por hora na rodovia.

Ela repousava uma de suas mãos na minha coxa direita e colocava seus óculos escuros. Acho que esse era um dos motivos que me faziam levantar cedo no sábado para viajarmos. O momento em que eu dirigia era o mais belo. A natureza ao redor das estradas e a presença dela, completamente inerte ao mundo, ao meu lado.

Durante as semanas enquanto eu estava no escritório, ela vivia me mandando mensagens sobre reservas de hotéis nas mais variadas cidades do estado de São Paulo e Minas Gerais; eram os dois estados que mais gostávamos de viajar. Toda quarta-feira decidíamos para onde ir. Sábado caíamos na estrada.

Eu gostava da forma em que ela contava suas histórias enquanto seus pés descalços carimbavam o vidro da frente, do lado de dentro, do carro. Eu amava suas unhas bem cortadas e seus dedos perfeitamente simétricos. Eu adorava a forma de ela ficar à vontade ao meu lado.

Toda parada na estrada era uma desculpa para ela beber uma cerveja e, cada cerveja, era uma desculpa para uma parada mais à frente. “Preciso ir ao banheiro” ela dizia.

Quando deitávamos na cama do hotel ela falava sobre poemas e os livros que mais gostava. Ficávamos em silêncio escrevendo cada um em seu caderno. Depois bebíamos alguma coisa e fumávamos um cigarro antes de fazermos amor.

Eu adorava vê-la no banco do passageiro com seus pés no para-brisas. Diante de tudo isso só havia um problema…

Ela havia nascido para dirigir.

Ela queria guiar.

Ela não queria apoiar os pés na merda do vidro do carro.

Eu amava vê-la fazendo o que ela odiava fazer.

Mas eu nem sabia de suas vontades…

Ela nunca me disse que queria dirigir a porcaria do carro.

Ela só precisava me falar que queria dirigir a porra do carro.

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