Assim que entrou pela porta do estabelecimento, Virgílio sacudiu o guarda-chuva e olhou ao seu redor. Não havia quem prestasse atenção em suas roupas ensopadas. Da cintura para baixo ele era tecido e água, tudo grudado em seu corpo quase forçando um amálgama.
Passou pelo balcão e pediu o material que precisava. A balconista blasé lhe entregou cem folhas de papel coche e aguardou o pagamento.
Havia muitas pessoas na papelaria, mas ninguém parecia notar um ao outro. Parou na porta e preparou o guarda-chuva mais uma vez… Respirou com pesar olhando a garoa que passava desordenadamente por causa do vento.
– Essa garoa parece que não vai mais parar – a voz vinha de uma menina de cabelos pintados de vermelho, sardas pela bochecha e profundos olhos verdes.
– É. Acho que não vai parar tão cedo – disse Virgílio olhando novamente para o asfalto que brilhava com as luzes do poste refletidas na superfície negra.
– Danna.
– Como?
– Danna… É meu nome.
– Danna? Um pouco incomum… Nome ou apelido?
– Nome mesmo. Minha família não é daqui.
– Hum… Virgílio.
– Que nome de velho!
– É… Eu sei. Meus pais são daqui.
– E o resto?
– Portugueses.
– Hum…
– Vai até aonde, Danna?
– Até o metrô, mas estou com medo de molhar as cartolinas.
– Quer carona de guarda-chuva?
E assim, Virgílio e Danna caminharam da papelaria até a estação de metrô. Trocaram informações sobre o que estudavam e sobre no que trabalhavam… Gostavam dos mesmos filmes e do mesmo escritor. Ela expressou sobre como a barba dele a agradava… Ele disse que o vermelho dos seus cabelos era lindo, ainda que artificial.
Moravam na mesma parte da cidade, o que deu à eles um grande tempo de conversa. Ao se despedirem, beijaram-se de forma úmida e gentil. Os lábios escorregavam e quase se laçavam. A garoa já havia cessado.
– Quando te vejo novamente?
– Quando? Você nunca me viu!
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Foi despertado de seu sonho acordado quando sua estação foi anunciada. Estava sozinho e ainda molhado, mas o rosto da menina que havia visto, não saia de sua mente. Ela era linda, e seu nome era mesmo Danna… Nome diferente, mas bonito. Imaginar o que poderia ter acontecido era sempre mais divertido. Seu mundo era bem mais legal do que o mundo do lado de fora.
Fez bem à ele saber que ela existia. Quem dera todos prestassem mais atenção às pessoas ao redor.
As pessoas não prestavam atenção, mas ele sim… Ele nunca perdia detalhes.
Isso me lembrou uma situação no ônibus que até contei por e-mail pra Grá, vou procurar e colar aqui…
Isso aconteceu na época da greve do metrô:
“(…)peguei o ônibus lotado, claro… tava o maior trânsito…
tirei as minhas duas blusas pq tava foda, aí fui conseguindo, aos poucos, chegar próximo à catraca, até parar ao lado de um moreno lindo, gostoso, com voz de homem, forte, e eu quase comecei a chorar kkk (…) o rapaz era muita areia pro meu caminhãozinho e parecia mais um q se acha lindo…
aí começou a chover em cima de mim, pq aquela abertura do teto estava aberta… depois de me molhar um pouco, aquele gato usou sua força, e aqueles braços pra fechá-la, e eu o agradeci com um beijo na boca (mentalmente, ele não sabe disso…)”.