Uma palha sem revisão… Mas degustável.


Cezar abriu os olhos, correu a vista pelos cantos do quarto iluminado pela pouca luz do Sol que passava pelas frestas da janela, e desistiu de levantar da cama. Era seu primeiro dia como desempregado depois de dois anos dedicando-se para a mesma empresa. De certo que não era muito tempo, mas somente ele sabia as dificuldades que passava e o quão bom iria ser ficar em casa durante algum tempo se aproveitando do seguro desemprego.

 Duas horas após ter aberto os olhos pela primeira vez naquela manhã, esfregou as mãos no rosto e num impulso, saltou da cama.

 Andou bambeando até a cozinha e constatou, no velho relógio na parede, que já eram 12hr. Foi até o banheiro e escovou os dentes vagarosamente, aproveitando o gosto da pasta de dente. Até a pasta parecia ser diferente dentro deste mundo de desempregado. Ele degustava qualquer coisa. Tudo lhe tinha um sabor, até mesmo as palavras do ancora do noticiário que passava no horário do almoço. Ele gostou de almoçar em casa. Poderia comer como os franceses faziam. Ficava mastigando durante muito tempo apreciando a cada dentada na carne mal passada que tinha feito na frigideira que estava com o mesmo óleo desde o sábado. Mastigou, mastigou e mastigou… nada de pressa… nada de apenas “uma hora para comer”…. Agora Cezar era dono de seus próprios horários e queria aproveitar ao máximo enquanto pudesse ficar assim… Aquela segunda-feira seria o primeiro dia de muitos que estavam por vir.

 

 Depois do almoço ele resolveu deitar mais um pouco, mas não conseguiu dormir, estava muito desperto. Resolveu ligar para seu amigo, Davi, que também estava desempregado, mas diferente dele, já fazia muito tempo.

 Davi era uma boa pessoa, e vivia fazendo “bicos” para poder se sustentar, e algo que Cezar sempre admirou, pois mesmo sempre ganhando mais que o amigo, Cesar nunca conseguiu curtir tanto quanto ele. Também pudera. Fazia pouco tempo que seu noivado havia sido rompido, pois ele nunca tivera sido um bom companheiro, e fez com que Ana Lúcia o deixasse do dia para a noite, foi aí que ele começou a fazer um esforço para ser mandado embora. Sua vontade mesmo era ir para a Europa e tentar tocar a vida por lá, mas seu inglês não era bom, apesar da excelência de seu francês. Fora isso, o dinheiro estava curto. Resolveu curtir e fingir que estava bem por aqui mesmo, dentro de seu país e sua cidade.

 Pegou o telefone e discou preguiçosamente o número do amigo. Ninguém atendeu.

 Pensou na hipótese de que ele pudesse estar fazendo algum serviço por aí, e assim achou melhor retornar a ligação apenas depois das cinco horas da tarde. Mas o que faria até lá? Vídeos? Alguns vídeos pornôs pra começar?

 Não. Sempre que pensava em pornografia, vinha-lhe a imagem de Ana Lucia em sua cabeça. Ana Lucia na cama com outra pessoa. E isso fazia ele se sentir mal, pois se ela que o amava tanto, já poderia estar transando com outra pessoa, era injusto que ele ficasse fadado ao destino da masturbação e dos filmes eróticos. Não. Ele não faria isso. Respirou fundo e caçou sua boina pela bagunça da sala. Assim que achou, colocou-a em sua cabeça para esconder o cabelo bagunçado e saiu para a rua.

  Caminhou como há muito tempo não fazia em uma segunda-feira. Imaginava todas as pessoas trabalhando e ele aproveitando. Os bares abertos, crianças indo para a escola, algumas voltando, os desocupados que ficavam na praça e tudo o mais que podia se ver na rua de um bairro periférico em uma segunda no inicio da tarde. Ele estava começando a ficar eufórico.

 Parou em um boteco de esquina que ficava próximo à sua casa, e pediu uma cerveja, o balconista colocou uma garrafa e um copo.

– Não, disse Cesar, é de latinha, e não precisa de copo porque não vou ficar aqui.

  Com um suspiro de protesto, o balconista removeu a garrafa. Andou até outra geladeira e pegou uma lata.

– Pode dar “uma lavada” nela pra mim?

  O balconista começava a tratar aquilo como um desafio de sua paciência.

  Cesar pagou e saiu.

  Não havia muitos lugares para ir naquele horário e tão pouco sozinho, então voltou andando para casa, desfrutando de sua cerveja. Quando estava prestes a entrar pelo portão, Dona Margarida, vizinha muito enxuta para os seus cinqüenta anos, berrou seu nome do outro lado da rua. Cesar parou, olhou com toda paciência do mundo e atravessou a rua com mais paciência ainda.

– Olá Dona Margarida, disse ele.

– Oi, Cesar. Não foi trabalhar hoje?

  Por um momento ele torceu os olhos para o lado; “que pergunta mais cretina!”, mas não retornou a ela com grosseria, mas também não deu muitas explicações, pois não queria que se espalhasse a noticia de que ele estava desempregado.

– Sim, sim. Hoje tirei o dia de folga.

– Que bom, lançou ela, é bom descansar…

  Depois do comentário, ambos ficaram se olhando e sorrindo um para o outro, sem assunto, sem graça, sem nada… Pela falta de assunto e se sentindo mal pela presença de Margarida, ele se via como se tivesse sido atirado na parede! Precisava reagir… Já que ficaria um bom tempo em casa, precisava se tornar um bom visinho.

– E como anda o Sebastião? Seu marido.

  Margarida enrijeceu a face e depois tornou a sorrir, mas era um sorriso sem graça, meio inconformado.

– Ele morreu, fez um ano em setembro. Câncer.

Era o fim. Agora ele se sentia escorrendo pela parede indo em direção ao ralo mais próximo, na verdade era isso o que ele gostaria que acontecesse, pois queria sair dali o mais depressa possível, mas não podia. Estava preso e o tempo agora estava paralisado. Cada segundo era uma hora… Uma hora que se passava e ele não sabia como agir ali, diante dela e sua pergunta inconveniente. Como seu emprego havia o afastado tanto da sociedade ao ponto de nem saber mais que morria e quem nascia na própria rua aonde morava?

– Mas não se preocupe, disse Margarida, agora ele está melhor que a gente.

  Ele respirou aliviado pela iniciativa vinda da mulher. Tinha que corrigir, mas preferiu se despedir e voltar para casa antes que perguntasse de mais alguma coisa que o faria fica na mesma situação.

 Quando chegou ao portão, o telefone tocava. Entrou correndo com a lata de cerveja aberta e espumando, agarrou o aparelho de telefone para atender.

– Alô?

– Alô.

– Davi?

– Sim, disse a voz sonolenta. Tem seu número aqui na bina. Ligou para mim?

– Liguei sim, estava querendo saber se tem algum programa pra hoje à noite.

– Acho que Vanessa virá aqui em casa hoje… Sabe como é! Algumas amigas e umas garrafas de vinho tinto.

  Neste momento, Cesar sentiu que sua primeira noite de desempregado poderia ser um sucesso, precisava apenas do consentimento de Davi.

– E quantas meninas serão? perguntou Cesar

– Acho que cinco amiguinhas. Por quê? Não me vá dizer que está interessado em vir?

– Obviamente, se você deixar eu ir, ao anoitecer estarei por aí.

– Então venha amigo. Vamos farrear com estas menininhas.

 

  Ao desligar o telefone, Cesar já estava eufórico. Podia se imaginar em uma noite de pura farra, ousadia e fantasias, como nunca teve com Ana Lucia…  Sem dúvida era isso o que ele queria. Uma vingança contra sua amada que o deixou, com motivos, claro, mas deixou para trás um coração que ficou perturbado. Mas hoje seria sua vingança silenciosa, uma vingança contra algo que ele nem mesmo tinha certeza de que Ana Lucia teria feito. Teria ela saído com outro homem? Estaria ela ainda triste pelo fim dos planos? Nada disso mais importava, apenas o sentimento de que naquela noite ele se sentiria homem novamente.

 Ainda era cedo para que ele fosse se arrumar, então resolveu dar um jeito em sua casa… Arrumar algumas coisas e deixar o lar limpo. Começou pelo seu quarto. As roupas sujas estavam espalhadas pelo chão, até mesmo pedaços de comida havia ali.

 Desde que foi morar sozinho, não conseguia se organizar direito, e era sempre Ana Lucia quem o salvava indo até lá todos os sábados para ajudá-lo a limpar a casa, e assim era possível mantê-la limpa durante alguns dias, mas agora que estava sozinho, tudo parecia desordenadamente desconfortável. A bagunça tomava conta de sua casa e de sua alma, mas o dia estava diferente. Ele queria provar para ele mesmo que era capaz de colocar ordem em sua casa sem a ajuda de qualquer outra mulher. “Se os homens são melhores na cozinha, porque não na limpeza”, pensava ele. Sou melhor que Ana Lucia.

  Meia hora depois ele estava sentando ao canto do quarto que parecia estar ainda mais bagunçado. Ele estava cansado de tentar arrumar, conseguir um canto para organizar as coisas. Já estava sem camiseta, e o suor descia por entre suas nádegas. Ele acabara de descobrir que trabalhos domésticos não eram fáceis.

 Começou a pensar em até que ponto Ana Lucia o amava para toda semana estar lá, limpando não somente seu quarto, mas sim, a casa toda, e ele havia perdido tudo isso por ser infantil. Agora ela estaria com outro e se dedicando para este “outro”, da mesma forma que fazia com Cesar, mas esta nova pessoa lhe dava o devido valor… e estes pensamentos ecoavam na cabeça de Cesar. Ainda sentado ele caiu no sono.

 

  Acordou correndo por instinto, indo diretamente ao relógio. Mal sabia pra onde deveria ir, mas sabia que estava atrasado. Passava de onze horas e haviam conco ligações perdidas de Davi.

  Pegou o telefone e ligou de volta. Apenas chamou. Ninguém atendeu o telefone. Mas Cesar não se preocupou tanto, pois o próprio Davi disse que ficariam por lá bebendo vinho… na certa deve ter desligado o aparelho para não ser incomodado.

  Correu para o banheiro e tomou um bom banho, apesar de rápido, vestiu uma boa roupa e disparou para fora de casa.

  Seu Jorge fazia sua ronda noturna quando Cesar disparou correndo pela casa. Jorge era velho e quase cego, mas ainda assim ficava a noite inteira em cima da moto vigiando as ruas do bairro. Ao ver Cesar disparando pelo portão e correndo, o velho vigia se atentou. Foi como se sua alma ouriçasse e finalmente em anos em cima daquela moto antiga, fosse ter um pouco de diversão. Acelerou a motocicleta e correu para cima de Cezar, que teve que pular com tamanha velocidade para não sofrer um atropelamento. No momento em que seu Jorge ia parar a moto para acuar o suposto ladrão, perdeu o equilíbrio da moto e caiu.

  A moto arrastou-se com Jorge debaixo por uns seis metros. Cezar se empalideceu, pois não sabia se o pobre velho agüentaria o impacto. Ele correu até a moto e a levantou. Lá estava o velho, imóvel, caído e ralado. Por um momento Cezar prendeu a respiração, mas soltou quando viu o senhor virar a cabeça em sua direção.

– Cesar, disse Jorge, é você seu moleque de uma figa. Eu jurava que era um ladrão em sua casa.

– Não seu Jorge, você se equivocou, e acho que precisa de um hospital.

  Jorge mal se mexia. Cesar xingava-se, pois por causa de um velho irresponsável, seria obrigado a perder a curtição dessa noite por uma noitada em qualquer hospital publico e sujo, pois um velho daqueles nunca na vida deve ter tido um plano de saúde.

  – Fique aqui, seu Jorge… Ao dizer isso, ele quase riu vendo a figura do senhor esparramada no chão… “Fique aqui”. Onde mais ele poderia ir daquele jeito? Para casa que não era… Cezar preferiu não terminar a frase para não se desmanchar em risos. Foi para o telefone público que ficava na esquina e ligou para o resgate. Quando terminou de pedir o socorro e desligou o aparelho, a raiva por ter perdido a noite voltou, foi caminhando novamente até seu Jorge, lá, estatelado no asfalto frio. Conforme Cesar se aproximava, uma idéia horrenda ia brotando em sua mente, ele diminuiu os passos até parar. Olhou para todos os lados. Ninguém na rua, fora ele e seu Jorge que estava largado ao chão. Sorte de morar em uma zona periférica tranqüila. Cezar olhou mais uma vez para todos os lados da rua para ter certeza que estava sozinho. Deu um passo pra trás. Olhou o velho. Pegou rumo ao contrário. Foi para a casa de Davi.

  De certo que o resgate iria chegar, fora que, o que mais ele poderia fazer por Jorge? Ele estava tão quietinho ali, não iria se mexer mesmo que pudesse. Logo o resgate chegaria e levaria o velho para o hospital. Em uma semana ele estaria fazendo suas rondas novamente.

  Ao chegar em frente a casa de Davi, ele pôde ver as luzes da sala acesa. Tocou o interfone.

– Pronto

– Cheguei. É o Cezar.

– Entre.

 O ruindo do portão automático ecoou na noite. Cezar abriu o portão. Estava feliz, contente. Eufórico.

 Andava pelo quintal da casa em direção à porta quase que saltando. Sentia uma felicidade. Abriu a porta e já viu o grupo de cinco mulheres rindo, algumas taças vazias e sujas de vinho… A libido já estava no ar… ele sentia isso naquele cômodo. Davi deu as boas vindas, as meninas sorriram… quatro das cinco meninas sorriram, uma estava surpresa, tanto quanto Cezar, que tinha seu sorriso bobo sumindo em seu rosto.

2 comentários em “Uma palha sem revisão… Mas degustável.

  1. nooosssa….
    vc pode parar de trabalhar e continuar a história por favor??rsrss
    tô aniosa…e não quero esperar até a noite ou amnhã ou sei lá qdo prá continuar me deliciandooo
    menininho lindo…PARABENS!
    vc tem um talento e tantoooo
    o q tá fazendo na unimed?
    seu lugar não é aiii…
    nada de faturamento, nda de contas, nada de numeros…
    vc tem q estar “Em qualquer lugar gramado com um pouco de sol, papel, caneta e cerveja”[;)]
    vc precisa deixar fluir este talento surreal q te corre nas veias, tal qual teu sangue…
    ….PARABENS!!!
    sou tua fã…number one[:)]

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